terça-feira, 14 de dezembro de 2010

TOKAJI ASZÚ E SEUS PUTTONYOS MÁGICOS

Era uma bela manhã de setembro e o abafado calor do verão europeu já dera sinais de estar chegando ao seu final. No ar, o prenúncio de dias outonais mais frescos e ventilados, com as primeiras folhas avermelhadas cobrindo as árvores. À beira da estrada uma placa tosca anotava Tokaj-Hegyalja. Busquei nos meus parcos conhecimentos de húngaro, havidos no seminário de Budapest, e consegui traduzir a indicação: Sopés de Tokai. De fato, acompanhava a estrada uma contínua e suave inclinação que subia para os altos das montanhas.

Segui a passos largos pela estrada até encontrar um caminho tortuoso que subia as encostas de Oremus, na entrada do castelo do príncipe da Transilvânia, onde esperava poder tomar um bom banho e descansar meu esqueleto. No dia seguinte iria acompanhar a colheita das uvas da princesa Zsuzsanna, mulher de Gyorgy Rókóczi, principe da Transilvânia.



Na entrada, como combinado, estava à minha espera o pastor e vinhateiro particular da princesa, Laczkó Szepsi que, irrequieto e apreensivo, foi logo exclamando:

- Seja bem vindo...vamos nos apressar....temos que nos proteger!

Já à altura de outubro de 1630 e uvas Furmint e Hárslevelú, bem maduras, davam vida aos belos parreirais das encostas de Oremus, que atingiam no pico cerca de 500 metros de altitude. O pastor estava afobado e subimos acelerados, após ele grunhir entre os dentes:

- Vamos ter problemas e não iremos mais colher uvas amanhã.
Banho tomado e taça de vinho na mão, fiquei sabendo do iminente ataque de hordas turcas para aquela época do ano. Szepsi conhecia bem estas ações que recolhiam vinho para comercialização e, com poucas palavras convenceu os patrões para não colher uvas até passar a ameaça. O mobiliário e os mantimentos foram levados ao abrigo subterrâneo com entrada camuflada.

Poucas semanas depois, o vigia desce dos altos da elevação de Oremus e dá conta da presença dos invasores turcos. Simulou-se um abandono da casa e todos se esconderam no abrigo.



Os turcos vasculharam todos os cômodos do castelo e não encontrando vinho e pertences de valor, desapontados, tomaram rumo de outras propriedades.

Mal a poeira assentou, saímos do esconderijo, verificamos que vinhedos ficaram intocados, porque o aspecto dos cachos de uva não animaram aos turcos. As uvas estavam desidratadas e afetadas por bolor (em húngaro, Aszú), com a aparência da passas, o que deixou a impressão de que a safra estava perdida.

Depois de discutimos, ficou resolvido vinificar as uvas no estado que estavam pois anotações antigas de Szepsi relatavam que, a cerca de sessenta anos, em 1571, um agricultor da região, Máté Garay havia entregue a seu irmão János 52 cartolas de vinho elaborado de uvas desidratadas e com bolor (botritizadas).

Improvisamos uma velha tina de madeira, acumulamos as uvas colhidas até o preenchimento total. Surpresa! Pelas frestas do fundo da tina começou a verter um mosto formado pelo peso próprio das uvas, uma sobre as outras, que coletamos em uma tina menor. Era um suco grosso que lembrava um xarope.

Com uma velha verruma, Szepsi fez perfurações no fundo da pipa e conseguiu drenar mais. Com uma pisa sobre o monte de uvas, mais xarope escorreu na parte inferior, mosto que foi batizado de Esszencia e deixado a fermentar. Pelo altíssimo conteúdo de açúcar, a fermentação foi extremamente lenta. As uvas pisadas formaram uma pasta, que o sisudo Szepsi decidiu usar para enriquecer vinhos secos.

Apanhou uma caixa de madeira usada para colher uva e preencheu com cerca de 25 kg de pasta, dose que denominou 1 puttony e organizou a adição variada em vinho seco básico de 1, 2, 3, 4, 5, 6 puttonyos. As amostras foram deixadas por alguns dias em maceração e, depois de prensadas, foram colocadas em diferentes gönc (cartola de carvalho de 136 litros) para fermentar naturalmente.



Após semanas de espera para que se completassem as fermentações, passamos à degustação dos vinhos Aszu. As duas primeiras não apresentaram grandes diferenças e foram superadas amplamente pela amostra com 3 puttonyos, um básico digno de prova. A partir daí, 4, 5 e 6 puttonyos, ofereceram uma evolução nítida de predicados bem diferentes. Formaram o grupo dos Aszu 3, 4, 5 e 6 puttonyos.

Szepsi ainda fez amostra com 8 ou mais puttonyos e a prova indicou que a de 8 seria o máximo de adição e o seu vinho batizado de Aszu Esszencia.

Quando se aproximava uma linda cigana com uma taça deste último vinho, eu não sabia se admirava a beleza da moça ou o néctar que ela trazia, senti um cutucar de dedos no ombro... acordei, estava numa degustação. Só ouvi o coordenador falar:

- Sérgio...Sérgio..Sér-gi-o! Qual a sua nota para a amostra 8?

(ONDE ENCONTRAR: EMPÓRIO HÚNGARO - RUA DA PAZ, 956 - S.P. - (011) 5181-6298 ou 2597-0881 - Leticia, contato@emporiohungaro.com.br)

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