quarta-feira, 23 de março de 2011

BEBER SEM MEDO DO DIA SEGUINTE

Uma característica dos tempos modernos é a postura insaciável dos apreciadores de vinho que estão sempre procurando novos rótulos e origens emergentes. Este perfil do mercado é desenhado por volúveis consumidores que vão migrando de um vinho para outro.

A busca contínua de tipicidades diferentes e das interpretações de terroirs fazem do enófilo moderno um adepto da antropofagia, sempre buscando novidades, o que exige uma visão adequada do marketing vinícola para ganhar permanentemente a prefêrência do consumidor.

Este contexto não foi uma simples evolução inercial dos consumidores. A estrutura do mercado de vinhos mudou a atitude dos apreciadores através do excesso de ofertas e das ações de marketing diante do acirramento das disputas por fatias de mercado. As regiões produtoras viram-se obrigadas a se apoiar num conjunto de ações de propaganda que resultou em verdadeiro tsunami de novas adegas, novas uvas, novos estilos e novos rótulos.

No bojo desta avalanche surgem vinhos de toda espécie, assim como os oportunismos mais variados.

O padrão mundial de sabor dos vinhos tem privilegiado os toques de passagem pela madeira, a cor profunda e a estrutura forte. A partir desta faceta, os vinhos desde os mais baratos até os mais caros, procuram destacar ou "criar" esses atrativos para ganhar apreciadores. Cada qual com o seu apelo, figuram em inumeráveis linhas, básicas, medianas e de alta complexidade, disputam o consumidor pelo preço, pela exótica origem ou pela notoriedade.

Como a base da pirâmide da qualidade é mais ampla que o topo, naturalmente o mercado tem uma quantidade enorme de vinhos básicos, de qualidade mínima aceitável, muitas vezes oferecendo a ilusão da passagem por barricas através de chips ou aduelas de carvalho. Para os tintos, "gotinhas mágicas" podem dar artificialmente mais cor e aportar aromas como baunilha, caramelo, especiarias, cacau, café e frutas vermelhas. Para os brancos, gotinhas enológicas de farmácia aportam notas minerais, cítricas, frutas brancas e frutas tropicais. Pitadas desses aditivos podem simular toque sedoso e boca plena, enfim, verdadeiras alquimias do vinho.

A dificuldade para se identificar essas falcatruas muito comuns é real. Somente a guarda do vinho por uns cinco ou mais anos vai mostrar que aquele Gran Reserva decaído não passava de um vinho com malabarismos químicos imitando a enologia natural!

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